terça-feira, 17 de março de 2009

"DO CLAUSTRO" (drama)

as atrizes Débora Aoni (esq.) e Carolina Mesquita (dir.) em "Do Claustro"

DO CLAUSTRO (trecho)

Sinopse: Irmã Mariana está enclausurada, às portas da loucura, e precisa da ajuda de Irmã Cecília, em quem confia, para salvar a vida do homem por quem está apaixonada - um poeta e advogado ameaçado de degredo para a África.
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Ação: se passa numa das celas do Convento de Santa Clara do Desterro da Bahia
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Época: final do século XVII, em 1692.
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Local: Salvador, Bahia.
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Personagens:
IRMÃ MARIANA
IRMÃ CECÍLIA
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cartaz de "Do Claustro", 2008
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"Do Claustro" foi apresentada pela primeira vez no dia 17 de janeiro de 2008, no Espaço dos Satyros 1, em São Paulo, sob a direção e iluminação de Eduardo Sofiati, com assistência de direção de Vanessa Morelli, preparação de elenco de Fernanda Levy, trilha sonora original de Gerson Grünblatt, figurinos de Ray Lopes, cenotécnica de Nilton Ruiz, consultoria histórica de Laís Viena de Souza, fotos de cena de Eduardo Sofiati e André Stefano, assessoria de Imprensa de Amália Pereira. Produção de Ruy Jobim Neto para a Cia. Mestremundo de Histórias (da Cooperativa Paulista de Teatro). A peça cumpriu temporada em São Paulo, esteve no Festival de Curitiba 2008 e em abril, no Rio de Janeiro, esteve na sede da Cia. de Teatro Contemporâneo, com a seguinte composição de elenco:
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IRMÃ MARIANA..............Débora Aoni
IRMÃ CECÍLIA.....................Carolina Mesquita
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"Do Claustro" está registrada na Biblioteca Nacional sob No. 440010 (2008)
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vídeos (de Carlos Jansson, Festival de Curitiba, 2008) e fotos (de André Stefano) para a peça "Do Claustro". neste link.
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Mais informações sobre "Do Claustro" nos sites: Folha On Line, Bigorna, G.Online, HQ Maniacs, Portal SulMix, Jornal Spiner (crítica de Nanda Rovere)
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(...)
CENA 2

(as duas clarissas já se encontram em cena, enquanto a luz abre em resistência)

CECÍLIA

Vosmecê sequer tocou no pão e na água.

MARIANA

Não é possível que não haja correspondência alguma do Dr. Gonçalo. Não é possível.

CECÍLIA

Mas isso não é motivo.

MARIANA

É motivo suficiente! (tempo) Perdão. Peço que me perdoe, Irmã Cecília. Eu tenho estado um tanto quanto fora de mim. Mas eu prometo que com muita oração e com muita alegria na alma, tudo vai se encaminhar da melhor forma possível.

CECÍLIA

Por certo que vai. E agora eu peço, por amor do Cristo, que vosmecê se alimente um pouco, ao menos um pouco.

MARIANA

Irmã Cecília! Houve alguma vez em tua vida em que vosmecê precisou fazer alguma coisa, em virtude de como se encontrava em determinado momento?

CECÍLIA


Como assim?

MARIANA

Vosmecê sabe que eu estou morrendo.

CECÍLIA

Eu não sei de nada. E vosmecê, por favor, não me repita mais uma sandice dessas! Saiba que tudo o que eu fizer será para que vosmecê não se enfraqueça. Afinal de contas, pelo que eu saiba, nenhuma de nós aqui tem qualidades suficientes para atingir a santidade através de martírio.


MARIANA

Não a santidade, mas a realidade. Se eu te disser que é apenas em vosmecê que eu deposito toda a minha confiança, e que diante de tudo o que tem acontecido, eu pedir a vosmecê dois favores imensos, eu agradeceria eternamente se puder ser atendida. É algo sério. Não tenciono brincar com isso.

CECÍLIA

Não foi justamente nossa Santa Mãe Clara quem nos ensinou a ajudar as irmãs que estivessem descobertas e necessitadas?

MARIANA

Sim.

CECÍLIA

Façamos uma troca. Vosmecê come do pão e bebe da água que eu lhe trouxe e eu te serei toda ouvidos para esses teus dois pedidos. (IRMÃ MARIANA se serve e bebe um gole) Pois bem... Quais são eles?

MARIANA

Eu quero me confessar contigo. E depois vosmecê me conceda a extrema unção.

CECÍLIA

Vosmecê disse que não ia brincar com esse tipo de coisa.

MARIANA


Eu não estou brincando.
(...)
......................
(...)
CENA 6

(Sinos.)

MARIANA


Vosmecê não tem que participar do ofício?

CECÍLIA

A reverenda Madre me reservou para que eu estivesse sempre contigo. Eu disse a ela que vosmecê está bastante mal.

MARIANA

Pois não mentiu. Para mim, as quatro paredes desta cela se transfiguram gelidamente no cárcere de Gonçalo.

CECÍLIA

Vosmecê não devia dizer blasfêmias.

MARIANA

Já não basta minha penitência?

CECÍLIA

Eu muito que tenho te trazido pão, água e frutas do nosso pomar, mas vosmecê tem evitado comer. Se tua penitência é esperar pelo teu último suspiro em prol da saída do Dr. Gonçalo da Cadeia Pública, muito te admiro. Tua determinação em te tornar mártir beira as raias da insânia.

MARIANA


Eu já pedi a vosmecê a extrema unção.

CECÍLIA

Insânia. Blasfêmia. Heresia.

MARIANA

Irmã Cecília, vosmecê sabia que o significado de teu nome está associado à cegueira?

CECÍLIA

E no entanto, eu enxergo com muito maior distância do que vosmecê, Irmã Mariana, cujo pensamento está única e exclusivamente voltado para o aqui e o agora. E nada mais.

MARIANA

Cecília, eu preciso tirar Gonçalo da prisão, e só vosmecê pode me ajudar!

CECÍLIA

Não vejo lógica pelo fato de que vosmecê alega estar “apaixonada” pelo Dr. Gonçalo, uma vez que nem sabe sequer se ele continua vivo ou, sabe-se lá, se foi desterrado para a África.

MARIANA

O que vosmecê está sabendo? Por que vosmecê não me traz informações sobre ele? Por que vosmecê não me traz mais cartas? Por que me condena desta forma?

CECÍLIA

Eu não trago cartas por que não há. Simplesmente não há. Não há.

MARIANA

E não existe “alegação” alguma em eu dizer que estou apaixonada por ele, pois é a plena verdade. E ele também está apaixonado.

CECÍLIA

Delírio teu. Delírio de juventude, ilusão pura. Este homem é conhecido nas ruas da Cidade. Este homem tem toda uma vida lá fora!

MARIANA

Este homem tem toda uma vida aqui dentro de mim!

CECÍLIA

Eu vou chamar a Madre Superiora!

MARIANA


Não! Eu preciso apenas que vosmecê me escute em segredo de confissão!

CECÍLIA

Eu já ouvi o suficiente!

(....)
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"Do Claustro", Copyright (C) 2007 Ruy Jobim Neto, todos os direitos reservados
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contato com o autor: jobimneto.ruy@gmail.com
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"DE CANOA E DE REDE" (monólogo)



DE CANOA E DE REDE (trecho)
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O monólogo (para ator) "De Canoa e de Rede" foi escrito em 2009.

(Noite. VITALINO Pescador está alerta, tem um pequeno lampião à sua mão. Há um arpão em cena, umas luminárias com outros lampiões e um barco de pesca, muito usado, com dois remos. Uma rede divisa a cena, ele detém uma ponta, o restante segue em direção à platéia. Não há peixe. Não há um casebre, é como se VITALINO pudesse, em seus delírios, andar sobre as águas do mar. Tudo o que conhece da vida está ali.)

Personagem: VITALINO PESCADOR

Época: atual
Local: uma vila de pescadores em algum ponto do Litoral brasileiro
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(....)
(contemplativo)
NALDINHA...

(como se fosse respondendo à sereia com uma pergunta)
NALDINHA? ....

(suspira)
NALDINHA...É A MULHÉ DA MINHA VIDA. EU DISSE ISSO A ELA, BEM ASSIM...

(imita, com orgulho)

“NALDINHA, TU É A MULHÉ DA MINHA VIDA!”

(pausa)

(sorri e dança)
AHAHAHAH! TÔ DANÇANDO EM CIMA DO MAR! EM CIMA DA ÁGUA! QUI NEM NOSSO SENHÔ JESU CRISTO! TÕ É MUITO FELIZ DE TÊ O CORAÇÃO DE NALDINHA!

(contemplativo)

QUANDO EU TIVÉ O MEU BARCO DE PESCA, ELE VAI TÊ ESSE NOME...

(sonhador)
NALDINHA!...

(sorri)
E VÔ COLOCÁ UMA CARRANCA BEM ENORME, CARUDA, BEM NA PROA DO “NALDINHA”, QUE É PAMODIDE AFASTÁ COISA RUIM...

(pára de dançar)
POIS É, DIONE... UM HOMEM FELIZ ASSIM COMO EU, ASSIM, COM UMA NALDINHA NA VIDA, TEM QUE PENSÁ NUMAS COISAS AÍ, PRA MUDÁ O RUMO DA PROSA, NÃO TEM?

(curioso)
OCÊ NUM CONCORDA?

(motivado)
PENSA BEM! É ISSO MESMO!

(firme)
EU TENHO QUE MUDÁ MINHA VIDA! FOI O QUE NALDINHA DISSE PRA MIM, BEM ASSIM:

(imita Naldinha)

“VITALINO –

(explica pra platéia, à parte)
VITALINO SOU EU –

(Naldinha)
TU TEM É QUE MUDÁ ESSA SUA VIDA!”

(sorri, bobo)
E QUANDO A MULHÉ QUE OCÊ AMA, ELA TE DIZ BEM ASSIM, É PORQUE TI AMA MESMO, NÉ?

(pausa)

(para a platéia)
OCÊ NUM CONCORDA?

(sorri)

SOU O HÔMI MAIS FELIZ DESSE MUNDO DE DEUS!

(pausa)


(dança mais um bocadinho)


(paralisa)
É, MAS... Ô, DIONE... EU VIM PEDIR UMA AJUDA TUA.

(pausa)
E EU NÃO SEI NEM POR ONDE COMEÇÁ. TÔ MEIO ASSIM, SEM JEITO, MESMO.


(anda)
SABE, EU PENSEI, PENSEI, PENSEI AQUI COM OS MEUS BOTÃO.

(pára de andar, deixa o lampião ao chão)
E PENSEI MUITO.

(pausa)
MUITO MESMO.

(anda pelo palco, dá uma volta redonda muito grande, pensativo, tenso)

(paralisa diante da platéia)

DIONE.

(silêncio)


(aproxima-se, temeroso)
OCÊ CONFIA NI MIM?

(pausa)
É QUE EU PRECISO DAR UM JEITO NESSA MINHA VIDA. E, SABE COMO É, NA VILA DE PESCADÔ, O POVO É TUDO MUITO TEMENTE A DEUS, SABE DOS PERIGO E DAS ALEGRIA DA LIDA NO MAR. DA SERIEDADE DA VIDA.

(sonha)
DA LIDA DA PESCA. PRA ISSO É QUE EU TENHO QUE TER O MEU BARCO...

(sorri)
O “NALDINHA”...
(......)
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"De Canoa e de Rede", Copyright (C) 2009 Ruy Jobim Neto
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contato com o autor pelo e-mail: jobimneto.ruy@gmail.com
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"TRILOGIA DELAS" (drama)

A denominação "TRILOGIA DELAS" veio do nome "TRILOGIA LÉSBICA", criado pela atriz Vanessa Morelli, que participou do elenco de uma das três montagens aqui postadas, ao lado de Débora Aoni, em 2008. São três histórias de amor. É composta de "Sobre o Teu Corpo e Duvidei", "Andares Acima" e "Uma Brisa de Noite no Olhar". As peças foram escritas em 2008 e duas delas foram montadas para as Satyrianas 2008, em outubro, onde estrearam. Á idéia da trilogia é justamente montar os três textos num só espetáculo.


as atrizes Débora Aoni (esq.) e Vanessa Morelli (dir.) em "Sobre o Teu Corpo e Duvidei"

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SOBRE O TEU CORPO E DUVIDEI (trecho)

mais fotos (de André Stefano): neste link

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"SOBRE O TEU CORPO E DUVIDEI" foi apresentada pela primeira vez no Dramamix das Satyrianas 2008, em São Paulo, SP, no dia 24 de outubro, sexta-feira, às 4h00 da manhã, sob direção de Ricardo Corrêa e produção de Ruy Jobim Neto para a Cia. Mestremundo de Histórias, com o seguinte elenco:

Vanessa Morelli....................Luísa
Débora Aoni....................Simone

Personagens
SIMONE
LUISA
(uma idéia de cozinha, copa, mesa, alguns objetos)
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(...)

SIMONE

E AGORA ME VEM COM ISSO.

LUISA

NÃO, ISSO NÃO. EU NÃO VENHO COM PORRA NENHUMA, É SÓ VOCÊ E ESSA SUA BAIXÍSSIMA AUTO-ESTIMA DE MERDA.

SIMONE

É UM TIPO DE PUNIÇÃO, ISSO?

LUISA

É. ACHO QUE É.

SIMONE

CARALHO! DE ONDE VEM TODA ESSA TUA PERVERSIDADE? QUEM VOCÊ PENSA QUE É, HEIN?

LUISA

EU TENHO UM NOME.

SIMONE

GRANDE MERDA.

LUISA

VOCÊ NÃO SE CONFORMA COM O FATO DE QUE, APESAR DE EU TE AMAR TANTO... COMO AMIGA... VOCÊ NÃO É AMADA COMO MULHER. SÓ ISSO É QUE TE ABORRECE, QUE TE EMPUTECE, QUE TE DEIXA LOUCA.


SIMONE

E OS E-MAILS? QUE PORRA É AQUELA? E OS TORPEDOS? “ME LIGA”, “PRECISO DE VOCÊ COMIGO”, “TE QUERO MUITO”, E COISAS DO GÊNERO? QUE MERDA TODA ERA AQUELA?

LUISA

TODO MUNDO TEM UM MOMENTO DE SOLIDÃO.

SIMONE

E VOCÊ ILUDE OS OUTROS NOS TEUS MOMENTOS DE SOLIDÃO ASSIM? DESSE JEITO? MANDANDO E-MAILS ROMÂNTICOS E O CARALHO A QUATRO?

LUISA

NÃO ERAM ROMÂNTICOS... VOCÊ QUE OS INTERPRETOU ASSIM. FOI A TUA CABEÇA LOUCA QUE LEU OS E-MAILS DESSE JEITO. EU SÓ MANDEI ESSES E-MAILS, MAIS NADA.

SIMONE

MAIS NADA?

LUISA

NADA.

SIMONE

E VOCÊ ME DEIXA LOUCA POR VOCÊ ASSIM, DO NADA?

LUISA

DIGAMOS QUE É UM EXERCÍCIO.

SIMONE

UM EXERCÍCIO UMA PORRA! VOCÊ NÃO PODE BRINCAR COM OS MEUS SENTIMENTOS, TÁ OUVINDO? QUER QUE EU REPITA?

LUISA

SIMONE, EU VIM AQUI NA TUA CASA, ENTRO NA TUA COZINHA, VEJO VOCÊ BATER UMA MASSA DE BOLO PARA OUVIR TUDO ISSO?

(....)

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UMA BRISA DE NOITE NO OLHAR (trecho)

Personagens:

ALÍCIA

RUBY


(a ação se processa na mente de Alícia, sobre sua prima Ruby)

.....

(...)

ALÍCIA

MAS EU FIZ. E DEIXEI UMA MARCA EM VOCÊ.

RUBY

FOI HÁ TANTO TEMPO.

ALÍCIA

MAS NÃO ME SAI DA CABEÇA. ME TORTURA, ÀS VEZES.

RUBY

SÉRIO?

ALÍCIA

RUBY, MEU AMOR, MINHA PRIMA QUERIDA, SEI QUE ÉRAMOS PEQUENAS, E QUE CORRÍAMOS MUNDO AFORA, PULÁVAMOS CERCAS, ABRÍAMOS CARTAS DOS OUTROS...

RUBY


(rindo) A GENTE LIA TUDO...

ALÍCIA

..A GENTE SE DEITAVA NA BEIRA DO RIO.

RUBY

LEMBRO DE TUDO. COMO SE FOSSE AGORA.

ALÍCIA

E VOCÊ ME VEM DE AZUL.

RUBY

PREFERIA OUTRA COR?

ALÍCIA


NÃO VEJO VOCÊ EM COR ALGUMA. APENAS NUA.

RUBY

FALAR NISSO, VOCÊ ESCREVEU AQUELA CARTA PARA MIM?

ALÍCIA

ESTAVA TÃO TARDE. FIQUEI À DERIVA, NÃO QUIS EXPOR O QUE SENTIA. SE É QUE VOCÊ ME ENTENDE.

RUBY

SEM ESSA CARTA NÃO TENHO COMO TE AJUDAR. VOCÊ SABE.

ALÍCIA

NÃO SEI DE NADA. TUDO O QUE LEMBRO É DO SEU PEDIDO, EM FORMA DE DOR TÃO SUTIL, QUE ME CONGELOU A ALMA.

RUBY

FICA DIFÍCIL SEM A CARTA.

ALÍCIA

NÃO.

(...)

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atrizes Amanda Banffy (esq.) e Renata Becker (dir.) em "Andares Acima"
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ANDARES ACIMA (trecho)


"ANDARES ACIMA" foi apresentada pela primeira vez no Dramamix das Satyrianas 2008, em São Paulo, SP, no dia 24 de outubro, sexta-feira, às 8h00 da manhã, sob direção de Carol Guedes e produção de Ruy Jobim Neto para a Cia. Mestremundo de Histórias, com o seguinte elenco:

Amanda Banffy....................Lucimara
Renata Becker....................Edith
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personagens:

EDITH

LUCIMARA


(algo que lembre um apartamento. Esse ou aquele móvel)

......


(...)

EDITH
POR QUE VOCÊ NÃO VOLTA A ESCREVER?

LUCIMARA
PRA QUE? PRA BLOGAR UM MONTE DE CACARECO NA INTERNET, COISA QUE A NINGUÉM POSSA INTERESSAR? PERDER O MEU TEMPO NADA PRECIOSO PARA QUE SOMENTE EU LEIA AS BOSTAS DECLAMADAS DURANTE O BANHO? NÃO, OBRIGADA.

EDITH
EU GOSTO TANTO QUANDO VOCÊ ESCREVE.

LUCIMARA
ESCUTA. VOU PARAR COM ESSE DISCURSO.

EDITH
QUASE PENSEI QUE VOCE VEIO AQUI PRA ME CRITICAR.

LUCIMARA
NÃO. EU VIM AQUI PRA SER ABRAÇADA. EU QUERIA UMA AÇÃO, SABE? ALGO QUE ME TROUXESSE DE VOLTA, QUE NÃO ME LEMBRASSE DE BULAS, DE CAMINHADAS NOITE ADENTRO, QUE NÃO ME DERROTASSE NOS MEUS CAMPOS DE BATALHA. SACA WATERLOO? JÁ OUVIU FALAR DISSO? NAPOLEÃO SIMPLESMENTE SE FUDEU NESSA BATALHA. AO MENOS PARA ELE, MESMO DEPOIS DE MORTO, O PESSOAL AINDA ABAIXA A CABEÇA.


EDITH
NUNCA OUVI FALAR DISSO. VOCÊ SEMPRE LEU MAIS QUE EU.

LUCIMARA

QUANDO MEU PAI SE FOI, SE MANDOU, EU E MINHA MÃE FICAMOS COM UM MONTE DE LIVROS. UM MONTE DE ENCICLOPÉDIAS QUE ELE VENDIA DE PORTA EM PORTA. ELE DEIXOU TUDO, AS ENCICLOPÉDIAS E NÓS DUAS. AÍ, PRA TENTAR ENTENDER A MERDA TODA, EU COMECEI A LER. FEITO LOUCA. ATÉ O DIA EM QUE EU COMECEI A DAR. E DEI FEITO LOUCA. DESDE OS DOZE ANOS. MAS LI TUDO O QUE EU PODIA. E DEI TUDO O QUE EU PODIA, TAMBÉM.

EDITH
VOCÊ FALA MERDA ATRÁS DE MERDA. NEM PARECE QUE TEM A IDADE QUE TEM.

LUCIMARA
SÓ O MEU CORPO É JOVEM, É GOSTOSO, GOSTA DE SEXO. AÍ EU DESCOBRI VOCÊ E TUDO FOI PRAS PICAS.

EDITH
O QUE VOCÊ BEBEU?

LUCIMARA
CREDO. MEU BAFO TÁ TÃO RUIM ASSIM?

EDITH
LU, DAQUI A POUCO O PEDRO CHEGA.

LUCIMARA
AH, SIM. CLARO, O HOMEM DA FAMÍLIA, O CHEFE DA CASA.

EDITH

NÃO FALA ASSIM.

LUCIMARA
EDITH, MEUS PÊSAMES.

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Copyright (C) 2009, Ruy Jobim Neto

contatos com o autor: jobimneto.ruy@gmail.com

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"BEM LONGE DA TRAÇALÂNDIA" (infantil)

atrizes Aline Valencio (esq.) e Luana Nunes (dir.) em "Bem Longe da Traçalândia"
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BEM LONGE DA TRAÇALÂNDIA (trechos)

"Bem Longe da Traçalândia" foi apresentada pela primeira vez no Teatro Coletivo, em São Paulo, no dia 28 de fevereiro de 2009, produzido por Aline Valencio (para a Cia. de Teatro Pirilampo), com direção de Claudio Cabrera, trilha sonora original de Fernando Porto, canções: Fernando Porto (música) e Ruy Jobim Neto (letra). No elenco: Aline Valencio (Drusilla) e Luana Nunes (Juvenal e Sr. Monóxido). A peça esteve na programação do Fringe 2009, durante o Festival de Curitiba, apresentando-se entre 24 e 26 de março de 2009, no Teatro Lala Schneider.

O texto está registrado na Biblioteca Nacional sob número 451577 (2009).
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SINOPSE

Drusilla, uma traça-de-livros, comilona que só ela, quer voltar para casa, pois está perdida numa estante de uma prateleira repleta de teias-de-aranha, num porão imundo de uma casa. Ela costuma contar muitas histórias dos livros crocantes e deliciosos de cujas páginas ela se alimenta. As preferidas dela falam sobre nossa fauna, nossas matas e lendas. Um dia o Capitão Monóxido, tecnocrata-militar de uma empresa poluidora multinacional, sai de um desses livros para prendê-la. Como Sherazade, ele a prende, mas para não contar histórias, ele deixa Drusilla perdida e sem suas histórias lindas, muitas das quais ela mesma inventa. Monóxido assim, precisa calar Drusilla, que devora (e conta) histórias sobre um mundo que está se perdendo.

CENÁRIO

Uma prateleira de livros numa estante velha, capenga que só ela, com teias de aranhas enormes, livros empoeirados, uma toalha de mesa
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(...)
MONÓXIDO
HUM... (chega bem perto, desvia o rumo) MAS PODE SER QUE ESSE CHEIRO SILVESTRE - HORROROSO, POR SINAL! – ESTEJA VINDO DAQUI...

DRUSILLA
MEU CHEIRO NÃO É “HORROROSO, POR SINAL”!

MONÓXIDO
EU SABIA! (encontra DRUSILLA, pega ela pelas antenas) ORA, ORA, ORA...MAS O QUE TEMOS POR AQUI...

DRUSILLA
AI, MOÇO! AI, AI, AI! PÁRA DE PUXAR AS MINHAS ANTENINHAS!

MONÓXIDO
OH, MAS QUE FALTA DE CAVALHEIRISMO ESTE MEU...CLARO, UM CAVALHEIRO QUE SE PREZA JAMAIS PUXA UMA DAMA PELAS ANTENAS! (ela se levanta) QUEM É VOCÊ, MINHA JOVEM? POSSO SABER O QUE FAZ POR ESSA ESTANTE IMUNDA, NESSA PRATELEIRA FEDORENTA, NESTE PORÃO CHEIO DE TEIA DE ARANHA?...(estoura) AFINAL DE CONTAS, QUEM É VOCÊ E O QUE TÁ FAZENDO AQUI NO MEU PEDAÇO, POSSO SABER?

DRUSILLA
AI, MOÇO! ASSIM O MOÇO ME ASSUSTA! EU SOU SÓ UMA TRACINHA-DE-LIVROS, MAIS NADA!

MONÓXIDO
(imitando) “EU SOU SÓ UMA TRACINHA-DE-LIVROS, MAIS NADA”...(para ANTONIETA) NÃO É UMA COISA LINDA, UMA FOFA...É OU NÃO É,, ANTONIETA? DIGA LÁ! (volta-se para DRUSILLA) TÁ! MUITO BEM! E O QUE É QUE VOCÊ TÁ FAZENDO POR AQUI, HEIN? (pensa) ESPERA, ESPERA LÁ! CALMA LÁ! É VOCÊ!

DRUSILLA
E-EU?


MONÓXIDO
É VOCÊ!

DRUSILLA
E-EU?

MONÓXIDO
QUER PARAR DE REPETIR “E-EU”??

DRUSILLA
(pra cima dele) QUER PARAR DE REPETIR “É VOCÊ”??

MONÓXIDO
CALE-SE! (tempo, MONÓXIDO anda pelo palco, olha para DRUSILLA, comenta com ANTONIETA, olha de novo, anda mais) É ISSO! (para DRUSILLA) VOCÊ É A DONA DO VAGALUME, NÃO É MESMO?

DRUSILLA
(desconfiadíssima) VAGALUME?

MONÓXIDO
SIM! FOI O QUE VOCÊ DISSE!

DRUSILLA
FOI O QUE VOCÊ DISSE!

MONÓXIDO
SIM, EU DISSE SIM, MAS VOCÊ TAMBÉM!

DRUSILLA
EU DISSE O QUE?

MONÓXIDO
O QUE VOCÊ DISSE!

DRUSILLA
E O QUE VOCÊ DISSE QUE EU DISSE?

MONÓXIDO
COMO ASSIM? QUE CONVERSA DE DOIDO É ESSA?!

DRUSILLA
QUEM É VOCÊ? E PORQUE É QUE VOCÊ TÁ FALANDO DE VAGALUME?

MONÓXIDO
ESCUTE AQUI, MINHA PRINCESA... EU SOU O VILÃO DESTA HISTÓRIA, MUITO PRAZER! NÃO SEI QUEM VOCÊ É, MAS... TENHO CÁ MINHAS DESCONFIANÇAS...


DRUSILLA
O VILÃO? SEI...

MONÓXIDO
SIM, O VILÁO! CLARO! O VILÃO! AQUELE QUE PRENDE A MOCINHA AMARRADA AO TRILHO DE TREM OUVINDO O APITO DO TREM, AQUELE QUE DÁ GARGALHADAS ENQUANTO O MOCINHO ESTÁ AMARRADO PELOS PÉS TENDO LÁ EMBAIXO UM CARDUME DE TUBARÕES BEM FAMINTOS PRONTINHOS PRA DEVORÁ-LO! SIM! UM VILÃO E TANTO!

DRUSILLA
PUXA!

MONÓXIDO
EXATO! PUXA! ATÉ EU MESMO FICO EMOCIONADO COMIGO! MAS ENFIM, VOLTAMOS À VACA FRIA...ONDE ESTÁVAMOS?

DRUSILLA
EU TE PERGUNTEI QUEM VOCÊ ERA.
(....)

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Cena 5

(JUVENAL retorna aflito e voando rasante, muito rápido, percebe DRUSILLA que grunhe, uma vez que está amordaçada, ele pousa)

JUVENAL
(aterrissa, fica olhando para DRUSILLA) EPA, EPA, EPA! HÁ ALGO DE ERRADO NO REINO DA DINAMARCA, NÃO, NÃO!

(DRUSILLA fica pê da vida enquanto o pombo confabula com seus botões, e joga com ele, aqui JUVENAL começa a jogar com a criançada da platéia)

JUVENAL
HÁ ALGO DE PODRE NO REINO DA TRAÇALÂNDIA!

(DRUSILLA grunhe que não)

JUVENAL
NÃO, NÃO! (percebe) XI.... EU ACHO QUE É VOCÊ, NÉ DRUSILLA???

(DRUSILLA finalmente acha que algo vai acontecer, ufa!)

JUVENAL
HUM.... JÁ SEI! VOCÊ ESTÁ AMARRADA! (dá voltas em torno dela)

(DRUSILLA fica pê da vida, tentando se desamarrar)

JUVENAL
E VOCÊ... DEIXE-ME VER... ESTÁ TOTALMENTE AMORDAÇADA! POR ISSO É QUE NÃO PODE FALAR COISA ALGUMA, NÃO É? HUM...SAQUEI! PERCEBI! ENTENDI MESMO! (pausa) TÁ! E COMO É QUE EU VOU TE SALVAR A VIDA, MOCINHA? (pensa) HUM... TE DESAMARRANDO? (pensa) HUM...TE DEIXANDO FALAR? (decide) TÁ BOM, TÁ BOM, EU VOU TE AJUDAR, VIU? MAS LEMBRE-SE DE QUE EU SOU APENAS UM POMBO-CORREIO!

(desamarra DRUSILLA)


DRUSILLA
MAS Ô POMBO-CORREIO ENROLADO QUE VOCÊ É, HEIN, JUVENAL?

JUVENAL
DRUSILLA, MINHA CARA AMIGA TRAÇA COMILONA DE LIVROS, ISSO SÃO MODOS DE AGRADECER A UM POMBO-CORREIO?

DRUSILLA
HUM...POSSO TE DAR UM BEIJO?

JUVENAL
NÃO! LEMBRE-SE DO QUE EU FALEI SOBRE POMBOS!

DRUSILLA
AH, DEIXA DE SER CHATO, JUVENAL! O CASO É O SEGUINTE!

JUVENAL
DIZ! SOU TODO OUVIDOS!

DRUSILLA
POIS BEM! O VILÃO DESTA HISTÓRIA, QUE É O SR. MONÓXIDO GÁS CARBÔNICO EFEITO ESTUFA DA SILVA AGORA É GENERAL!

JUVENAL
AH, O FEDORENTO?

DRUSILLA
ISSO!

JUVENAL
O QUE TEM ELE?

DRUSILLA
FOI ELE E AQUELA ARANHA MARROM DELE QUE PEGARAM MESMO O MEU VAGA-LUME LANTERNINHA, PODE?

JUVENAL
NÃO PODE!

DRUSILLA
AÍ ME AMARRARAM AQUI E DISSERAM PARA EU NUNCA MAIS CONTAR NENHUMA DAS HISTÓRIAS QUE EU DEVOREI NOS LIVROS, PODE?

JUVENAL
NÃO PODE!

DRUSILLA

AÍ DISSERAM QUE ERA PARA AS CRIANÇAS DE TODO O MUNDO NÃO SABEREM DE MAIS NADA DO QUE ESTÁ ACONTECENDO SOBRE A FACE DA TERRA! PODE?

JUVENAL
NÃO PODE!

DRUSILLA
E SEM AS HISTÓRIAS, A GENTE NÃO TEM MAIS COMO LEMBRAR DE COMO O PLANETA JÁ FOI!
(....)
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"Bem Longe da Traçalândia" - Copyright (C) 2009, Ruy Jobim Neto

contatos com o autor: jobimneto.ruy@gmail.com
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